746 - TJRJ. Ação de reintegração de posse. Esbulho. Turbação. Alegação de usucapião em matéria de defesa. Reconvenção. Pedido contraposto. Sentença de improcedência. Proteção possessória da parte ré.
Recursos interpostos por ambas as partes contra a sentença que julgou improcedente o pedido principal (reintegração de posse) e procedente o pedido reconvencional para manter a ré na posse do imóvel, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes que fixou em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, observada a gratuidade deferida. Apelo do autor destacando a existência da posse anterior por ele exercida, o direito real de habitação dado o regime de casamento, conforme o CCB, art. 1.831, e a notificação judicial verificada (Processo 0009159-40.2018.8.19.0063), postulando a reforma da sentença e procedência dos pedidos por ele formulados. Também irresignada, apelou a ré (Recurso adesivo), arguindo que a sentença se deu citra petita, restando contrariados o art. 489, §1º, IV do CPC e art. 1.238 do CC, prequestionados, uma vez presentes os requisitos exigidos para declaração da aquisição da propriedade dada a usucapião verificada, assim devendo ser provido o apelo para tal fim. A questão, em brevíssimo resumo, congloba a posse anterior pelo autor, pai da ré, sobre o imóvel, o abandono do imóvel e da família, composta por 5 (cinco) filhos, logo após a morte da esposa, em 1998, a assunção da posse pela filha, e o retorno daquele, com a interposição da possessória, resistindo a ré afirmando melhor posse e deduzindo usucapião como matéria de defesa. Para a possessória, propriamente dita, importou o abandono da posse, o que implicou na sua perda, entendendo o juízo a inviabilização do pleito autoral, haja vista o não preenchimento dos requisitos legais pelo autor. Nos termos do CPC, art. 561, o autor de ação de reintegração de posse deve comprovar a posse do bem, a sua perda e o esbulho praticado pela parte demandada. Não é demais ressaltar que, nos termos do art. 1.196 do CC, «considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade". O art. 1.200 do mesmo CC ressalva, entretanto, que: «É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária". Na ação de reintegração ou manutenção de posse, não se discute o direito de propriedade, sendo que, para comprovar a existência de turbação ou esbulho praticado pela parte ré, necessária a demonstração de exercício contínuo de posse de quem a pleiteia e o consequente ato de perturbação deste direito. A lei assegura ao possuidor o direito de ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho, na forma do CPC, art. 560. Para tanto, o autor deve demonstrar a existência da posse (ou sua permanência, como ele pretende no caso concreto), a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, a data da turbação ou do esbulho e a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção ou a perda da posse, na ação de reintegração. De fato, não restaram configurados os requisitos para a reintegração de posse requerida, porque o autor não se desincumbiu do onus probandi, (art. 373, I do CPC), como lhe competia. Embora tenha provado a sua posse anterior sobre o imóvel litigioso, não conseguiu afastar o fato de que realmente abandonou o imóvel logo após o falecimento de sua esposa (no distante 25.08.1996) para iniciar um novo relacionamento amoroso, deixando para trás os filhos do casal, os quais foram, ao longo do tempo, se casando e deixando o imóvel, mas nele permanecendo de então até a data da prolação da sentença, a demandada. Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, consoante dispõe o CPC, art. 557. Significa dizer que a arguição de usucapião como matéria de defesa, conforme o verbete 237 da súmula do Supremo Tribunal Federal (no vernáculo da época, «o usucapião pode ser argüído em defesa»), o que aqui ocorreu, não tem natureza jurídica de ação, só sendo admitida para fins de manutenção da posse, haja vista que o pedido de declaração da prescrição aquisitiva deve ser requerido pela via própria. Na hipótese pode ocorrer o chamado pedido contraposto previsto no CPC, art. 556, ressalvando-se que aquele instituto e a reconvenção possuem natureza distintas, não havendo que se falar em equiparação para fins sucumbenciais, visto que o primeiro decorre da própria natureza dúplice da ação possessória. O abandono, que motivou a improcedência do pleito possessório, é uma das modalidades de perda da posse em razão da ausência dos elementos constitutivos: animus e corpus. E nem se alegue o paradoxo consistente na dedução de que se o autor abandonou o bem e por isso o perdeu, isso implicaria na premissa de que se o abandonou e perdeu é porque isso significaria sua posse anterior. Nessa vereda, poder-se-ia também questionar que só se abandona o que se tem, só se perde o que já se teve. Ora, a posse anterior é incontroversa, como incontroverso é o seu abandono. Em conclusão, considerando-se que o abandono do imóvel implica na perda da posse, não se comportando o autor em relação à coisa como o faria um legítimo possuidor, isso inviabiliza a pretensão deduzida em ação de reintegração de posse, no mesmo passo em que descabida da pretensão da ré, em seu recurso adesivo, de obter os efeitos da pretendida usucapião, que arguiu em sede de defesa, sem os requisitos legais inerentes. Precedentes. Recursos aos quais se nega provimento.
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