756 - TJRJ. Apelação criminal defensiva. Condenação pelo crime de estupro de vulnerável, praticado diversas vezes, contra enteada menor de 14 anos, em continuidade delitiva. Recurso que busca a solução absolutória, por fragilidade do conjunto probatório e, subsidiariamente, o afastamento da majorante (CP, art. 226, II). Mérito que se resolve em desfavor da Defesa. Materialidade e autoria inquestionáveis. Instrução revelando, através da firme palavra da vítima (já com 14 anos quando prestou depoimento em juízo), que o réu, seu padrasto à época, aproveitando-se dos momentos em que estava em casa somente com ela e a filha mais nova, praticava com aquela atos libidinosos diversificados (toques e carícias lascivas, felação oral e tentativa de penetração), quando a mesma contava com 09 anos de idade, perdurando, ao menos, por cerca de 01 ano. Natureza da imputação que, à luz dos seus específicos contornos fáticos, se classifica como daquelas que não costumam deixar vestígios, considerando que a prática libidinosa se posta no átrio do simples contato sexual, independentemente de quaisquer sinais exteriores aparentes, razão pela qual a prova da existência material do injusto tende a se perfazer pela análise de todo o conjunto probatório (Mirabete). Revisando posicionamento anterior, é de se realçar a orientação prevalente do Supremo Tribunal Federal, para quem, nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima tende a assumir excepcional relevo probatório, ainda que a essência da versão acusatória a ela se resuma como único elemento de prova, desde que não viciada intrinsecamente e não colidente frente a outros elementos que venham a comprometer sua credibilidade. Equivale dizer, «a palavra da vítima, quando não está em conflito com os elementos produzidos ao longo da instrução, assume importância probatória decisiva, especialmente quando a narração que faz apresenta-se verossímil, coerente e despojada de aspectos contraditórios» (STF). Ao contrário do sustentado pela Defesa, despeito do exame pericial (realizado meses após cessarem os abusos) não ter apurado vestígios, a instrução oral sinalizou claramente para a positivação da existência substancial dos episódios narrados pela inicial, tendo a vítima prestado narrativa bem estruturada e contextualizada, dentro das especificidades que gravitam em torno dos fatos (como a idade, o medo de represália social e o lapso temporal de cerca de quatro anos entre as declarações prestadas na DP e em juízo), pormenorizando toda a dinâmica das espúrias investidas sexuais sofridas, estando ressonante nos demais elementos de convicção. Relato da genitora da vítima ratificando a versão restritiva. Réu que externou negativa, atribuindo à ex-companheira a culpa pelas acusações. Versão que não encontra respaldo em qualquer contraprova produzida a cargo da defesa (CPP, art. 156). Estudo social realizado pela equipe técnica interdisciplinar relatando que a vítima e a genitora confirmaram os fatos narrados na denúncia, demonstrando muito sofrimento e angústia pelo ocorrido, enquanto o réu manteve a negativa. Conjunto probatório hígido, apto a respaldar a solução condenatória, evidenciando-se o crime de estupro de vulnerável, o qual não admite relativização. Preceito protetivo de caráter absoluto que, tanto sob a égide da lei anterior, quanto pela incriminação hoje vigente, se posta «como instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de quatorze anos, em face de sua incapacidade volitiva» (STJ), «sendo irrelevantes, para tipificação do delito, o consentimento ou a compleição física da vítima» (STF). Fato que, assim, reúne todos os elementos do CP, art. 217-A Majorante prevista no CP, art. 226, II corretamente reconhecida, tendo em vista que o réu, ao tempo dos fatos, ostentava a condição de padrasto da vítima. Continuidade delitiva positivada, na forma do CP, art. 71, haja vista a ocorrência de práticas sexuais, segundo a vítima, em mais de dez oportunidades, perdurando por, ao menos, cerca de um ano. Juízos de condenação e tipicidade ratificados (art. 217-A c/c art. 226, II, na forma do art. 71, todos do CP). Dosimetria que não tende a ensejar reparo. Pena-base fixada no mínimo legal, sem alterações na etapa intermediária, seguida do aumento de metade, por força do CP, art. 226, II, com acréscimo final de 2/3, em razão da continuidade delitiva. Manutenção da fração de aumento operada pela continuidade delitiva (2/3), eis que em consonância com o número de crimes (STJ), sendo certo que embora não seja possível precisar com exatidão quantos abusos a Vítima sofreu, é inequívoca prática de diversos episódios, considerando que ocorreram por mais de dez vezes, ao longo de cerca de 01 ano (STJ). Inviabilidade da concessão de restritivas (CP, art. 44) ou do sursis (CP, art. 77), ante a ausência dos requisitos legais. Regime prisional fechado aplicado, o qual se revela «obrigatório ao réu condenado à pena superior a oito anos de reclusão. Inteligência dos arts. 59 e 33, § 2º, do CP» (STJ). Tema relacionado à execução provisória das penas que, pelas novas diretrizes da jurisprudência vinculativa do Supremo Tribunal Federal (ADCs 43, 44 e 54), não mais viabiliza a sua deflagração a cargo deste Tribunal de Justiça, preservando-se, si et in quantum, o estado jurídico-processual atual referente ao Acusado (réu solto). Desprovimento do recurso defensivo.
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