TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. DESCLASSSIFICAÇÃO DO CRIME ASSOCIATIVO PARA O DELITO DO ART. 37 DA LEI DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. 1)
Na espécie, policiais militares narraram que realizavam uma operação na comunidade São Leopoldo, dominada pela fação criminosa TCP, quando, num ponto de venda de drogas, avistaram um grupo reunido de quatro indivíduos que, ao perceberem sua aproximação, empreenderam fuga; em perseguição, conseguiram capturar o primeiro corréu (Alan), que lhes admitiu exercer a função de vapor e lhes indicou um local próximo onde, numa mochila, escondia drogas; no local apontado (um barranco), encontraram, dentro da mochila, o material entorpecente, um radiotransmissor e um caderno com anotações relativas ao tráfico; o segundo corréu (Fábio) foi capturado após ferir-se ao pular um muro, com ele sendo encontrado um radiotransmissor; na ocasião, Fábio admitiu exercer a função de radinho . 2) Inexiste qualquer contradição de relevo no testemunho dos policiais, de sorte a lhes retirar a credibilidade. Os depoimentos mostraram-se seguros e congruentes, afinando-se inclusive com as declarações anteriores prestadas em delegacia e merecendo, à míngua de prova em contrário, total prestígio, a teor da Súmula 70 da Corte. Somente se mostra razoável desacreditar tal prova quando contraditória, inverossímil, dissonante com os demais elementos dos autos ou quando pairarem dúvidas concretas acerca da idoneidade e imparcialidade dos depoentes - o que não se vislumbra no caso em apreço. Ao revés, o testemunho dos policiais é corroborado pelo próprio corréu Fábio que, em juízo, confessou a traficância, afirmando que recebia, pela função de radinho, a quantia diária de R$50,00. 3) Conforme se observa da dinâmica narrada, não há que se falar em ilicitude probatória, pois o fato de os réus, num ponto de venda de drogas, empreenderem fuga ao avistarem a viatura policial, legitima sua abordagem, que faz parte da atividade de rotina de patrulhamento ostensivo e não se confunde com revista ou busca pessoal sem fundadas suspeitas. Outrossim, a condenação não foi lastreada na confissão informal do segundo corréu (Fábio) que, em juízo, confessou formalmente o crime associativo; portanto, sua defesa não alega validamente qualquer suposto prejuízo decorrente da ausência do direito ao silêncio. De todo modo, inexistiria ilegalidade na prisão pelo fato de os policiais não informarem, no momento da abordagem, acerca do direito ao silêncio, porque o CPP, art. 6º é voltado para a autoridade policial no exercício de suas funções. Cabe ao delegado, ao ouvir formalmente o indiciado, informá-lo sobre o seu direito ao silêncio e, na espécie, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, o réu foi alertado sobre esse direito, tendo optado por permanecer calado; inexistente, assim, qualquer nulidade a ser reconhecida. 4) Não é possível a desclassificação da conduta do segundo corréu (Fábio) para o tipo da Lei 11.343/06, art. 37, que pune o informante do tráfico, ou seja, o extraneus, não integrante da organização que colabora com a associação criminosa prestando somente informações. O chamado radinho compõe o próprio grupo criminoso com a função principal, na subdivisão das tarefas internas, de monitorar o movimento dos pontos de venda de drogas, alertando comparsas acerca da aproximação de policiais e grupos rivais. 5) O vínculo de estabilidade e permanência inerente ao delito associativo em relação ao segundo corréu (Fábio) está muito bem demostrado nos autos, porquanto, flagrado na posse de um radiotransmissor em ponto de venda de drogas, ele mesmo admitiu que exercia a função de radinho havia dois meses e que estava em seu turno de trabalho . Porém, é impossível de chegar-se à mesma conclusão acerca do delito de associação para o tráfico de drogas no tocante ao primeiro corréu (Alan). Por mais intuitivo que sua participação da associação criminosa possa parecer - pois formava um grupo juntamente com o segundo corréu e, mais adiante, ao ser capturado, apontou onde escondia uma mochila com drogas - não há, em relação a ele, qualquer prova do vínculo de estabilidade e permanência necessário à configuração do delito. O conjunto probatório exposto nos autos é sugestivo, mas não demonstra com certeza que o primeiro corréu aderira consciente, voluntária e, principalmente, de forma estável à associação criminosa da localidade ou que estivesse previamente ajustado com o segundo corréu - o qual, aliás, ao confessar a participação no tráfico, afirmou não o conhecer. A carência probatória não pode ser suprida com a inferência de impossibilidade de tráfico autônomo em local dominado por facção criminosa, fundada em mero juízo de probabilidade (precedentes). Diante desse mesmo contexto, impossível - por outro lado - atribuir ao segundo corréu (Fábio) as drogas arrecadadas; segundo os testemunhos, o material estava unicamente na posse do primeiro corréu (Alan), que indicou aos policiais onde o escondia. Em outras palavras, inexiste prova do vínculo de estabilidade e permanência para a condenação do primeiro corréu (Alan) pelo crime de associação para o tráfico de drogas - tal vínculo não pode reduzir-se ao fato momentâneo de encontrar-se agrupado com o segundo corréu num ponto de venda de droga; e vice-versa, não restou demonstrado que a posse das drogas escondidas pelo primeiro corréu (Alan) estivesse sendo compartilhada com o segundo corréu (Fábio), que, a despeito de integrar a traficância local, quiçá sequer soubesse da existência e localização do material. 6) Trata-se o tráfico de drogas de tipo penal de ação múltipla ou misto alternativo; a consumação se opera com a realização de qualquer núcleo verbal previsto na norma, não havendo necessidade de que o agente seja colhido no ato de venda do material entorpecente, como sugere a defesa do primeiro corréu. 7) A dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente. Em se tratando de crime de tráfico de drogas, o juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no CP, art. 59, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, a personalidade e a conduta social do agente, consoante disposto na Lei 11.343/2006, art. 42. No caso concreto, a quantidade e a variedade de drogas apreendidas (35g de maconha e 146g de cocaína) não ultrapassam o desvalor da conduta já inerente ao tipo penal, tratando-se o primeiro corréu (Alan), outrossim, de réu primário e de bons antecedentes. Os demais fundamentos invocados pelo juízo a quo para o incremento da pena-base - atinente à sua participação em sofisticada e estruturada rede de distribuição de drogas e sua integração à facção criminosa TCP - extrapola, como já salientado, aquilo que revelado pela prova dos autos. Portanto, a pena-base deve ser reconduzida ao mínimo de 5 anos de reclusão mais 500 dias-multa, patamar que se mantém na fase intermediária. Na terceira fase, uma vez que se mostraram neutras as circunstâncias judiciais e inexistindo indicativo de que o réu já se dedicasse a atividades criminosas, não há impedimento para a incidência da causa de diminuição do Lei 11.343/2006, art. 33, §4º, o que ora se reconhece, com a aplicação da fração de 2/3 (dois terços), resultando na pena final de 1 ano e 8 meses de reclusão mais 166 dias-multa. O quantum alcançado possibilita a substituição da reprimenda, nos termos do art. 44 e, do CP, pois não há o óbice da hediondez ao chamado tráfico privilegiado, conforme pacificada jurisprudência. 8) Não é possível o reconhecimento da causa de diminuição da Lei 11.343/06, art. 41 para o segundo corréu (Fábio), que se limitou a confessar o delito associativo, não apontando seus comparsas, sequer o traficante de quem recebia o pagamento diário de R$50 para atuar na função de radinho . Provimento parcial de ambos os recursos.
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