TJRJ. DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO LIMINAR DE PETIÇÃO INICIAL. SUPERENDIVIDAMENTO. MÍNIMO EXISTENCIAL. TEORIA DA ASSERÇÃO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME:
Apelação cível interposta por servidora pública aposentada contra sentença que indeferiu a petição inicial com fundamento no CPC, art. 485, I, sob o argumento de ausência de comprovação da condição de consumidora superendividada, ante a existência de saldo superior a R$ 600,00 mensais após descontos. A autora alega comprometimento de mais de 50% de sua renda líquida com dívidas bancárias, o que inviabilizaria sua subsistência digna, nos termos da Lei 14.181/2021. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: Há três questões em discussão: (i) definir se o conceito legal de consumidor superendividado admite interpretação ampliativa à luz da dignidade da pessoa humana; (ii) estabelecer se o valor de R$ 600,00 previsto no Decreto 11.150/2022 pode ser considerado critério absoluto para caracterização do mínimo existencial; e (iii) determinar se o indeferimento liminar da petição inicial, sem abertura de contraditório e sem produção de prova, é compatível com a teoria da asserção e o devido processo legal. III. RAZÕES DE DECIDIR: A aplicação da teoria da asserção impõe o recebimento da petição inicial sempre que, pelas alegações nela contidas, for possível vislumbrar a presença das condições da ação, ainda que dependam de prova posterior. O indeferimento liminar da inicial, sem oportunizar à parte a comprovação documental da alegada condição de superendividamento, viola os princípios do contraditório substancial, da ampla defesa e do devido processo legal (CPC, art. 9º e CPC art. 10). O conceito de superendividamento previsto no CDC, art. 54-Adeve ser interpretado à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social do contrato, não se limitando a parâmetros rígidos e abstratos como o valor de R$ 600,00 estabelecido por decreto. A fixação genérica de um mínimo existencial desconsidera as necessidades concretas do consumidor e não pode ser utilizada para indeferir, de plano, pedido amparado na Lei 14.181/2021, sob pena de proteção insuficiente dos direitos fundamentais (Untermassverbot). A jurisprudência do TJERJ, por meio da Súmula 295, limita os descontos oriundos de empréstimos bancários a 30% da remuneração, sendo vedado o comprometimento excessivo da renda do consumidor por instituições financeiras diversas. A petição inicial atende aos requisitos legais e demanda instrução probatória para análise de boa-fé, origem das dívidas, grau de comprometimento da renda e viabilidade de plano de pagamento, elementos indispensáveis à aplicação dos CDC, art. 104-A e CDC, art. 104-B.
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