TJRJ. APELAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO PARQUET VISANDO A CONDENAÇÃO DOS APELADOS NOS TERMOS DA DENÚNCIA.
O conjunto probatório formado nos autos (Auto de prisão em flagrante, Auto de Apreensão de material entorpecente, Laudo de Exame de Entorpecente, Laudo de Exame do rádio comunicador e prova oral produzida no curso da instrução processual), confirmou os fatos narrados na denúncia. O conjunto probatório formado nos autos (Auto de prisão em flagrante, Auto de Apreensão de material entorpecente, Laudo de Exame de Entorpecente, Laudo de Exame do rádio comunicador e prova oral produzida no curso da instrução processual), confirmou os fatos narrados na denúncia. As testemunhas policiais narraram que, no dia dos fatos, cumpriam ordens do Comando para darem apoio à ocupação da comunidade do Muquiço. Ao adentrarem no local pela Rua Vila Eugência e na esquina da Rua Operária, Marechal Hermes, observaram o apelado GUILHERME em uma «boca de fumo» do local, conhecida como «boca do Galo», bem como a presença do apelado LUCAS nas imediações portando um radiocomunicador. Foi percebida uma movimentação típica de venda de entorpecentes, mas antes da aproximação o usuário deixou o local. Feita a abordagem, os policiais apreenderam sobre um sofá que era utilizado como mesa, 262g de maconha, distribuída em 125 unidades; 94g de cocaína em pó, distribuído em 150 tubos plásticos; 07g de crack, distribuída em 14 embalagens; e 18g de haxixe, em 16 embalagens. Além das drogas, foram arrecadados os 02 radiocomunicadores em posse dos apelados, juntamente com a quantia de R$ 21,00 em espécie. A comunidade Muquiço é dominada pela facção criminosa Terceiro Comando Puro. Ao contrário do que entendeu o julgador do primeiro grau, o fato de a diligência policial não ter sido gravada por câmeras acopladas ao fardamento dos militares não pode ser considerado obstáculo para a condenação. Com a incorporação ao direito processual penal pátrio do sistema da persuasão racional do juiz (CPP, art. 155, caput e CF/88, art. 93, IX), e a consequente inaplicabilidade de qualquer regra de prova tarifada, tem-se que inexiste hierarquia ou força prevalente distintiva e previamente estipulada entre elementos de convicção, de modo que, no caso em exame, a ausência da filmagem da diligência foi perfeitamente suprida pelos relatos das testemunhas. Neste passo, cumpre também deixar claro que, dada a proximidade que os apelados estavam um do outro (cerca de dois metros), é evidente que os rádios apreendidos não se destinavam a promover a interlocução entre os dois, mas sim com os demais integrantes da associação do tráfico, sendo despiciendo, ademais, haver prova da funcionalidade, já que a relevância para o caso em exame se apresenta pela destinação ou finalidade do equipamento, e não por sua efetiva funcionalidade. No mais, não se vislumbra inconsistências ou contradições relevantes nos depoimentos das testemunhas. Percebe-se que o conjunto probatório deixou fora de dúvidas que os apelados praticaram o crime de tráfico de drogas, conforme a narrativa acusatória. A dupla foi flagrada em conhecida «boca de fumo» onde havia fartura de entorpecentes. Inclusive, o policial Fábio afirmou que viu um usuário entregando o dinheiro, e o apelado GUILHERME passando a droga, asseverando ter presenciado a «negociação toda". As circunstâncias do caso, os depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão em flagrante, a posse de radiocomunicadores em localidade em que se faz presente conhecida facção criminosa, aliados à quantidade, diversidade e forma de acondicionamento das drogas, demonstram que o material se destinava à difusão ilícita. No caso, deve ser conferido especial valor probatório aos depoimentos dos agentes policiais, porquanto emanados de servidores públicos no exercício de suas funções, sendo que, no caso em apreço, suas narrativas são coerentes entre si e merecem credibilidade. Não há elemento de prova capaz de colocar em dúvida a idoneidade das declarações prestadas pelos agentes de polícia, devendo ser prestigiado o enunciado da Súmula 70 deste E. Tribunal. Do mesmo modo, assiste razão do Parquet no pleito de condenação pelo crime de associação para o tráfico de drogas. Com efeito, o acervo dos autos comprova de maneira indubitável a existência de uma associação para tráfico de drogas, integrada pelos apelados e outros traficantes da localidade. No caso, estão presentes elementos empíricos que, conjugados com os que foram colhidos no curso da instrução probatória, demonstram a indisfarçável prática do delito da Lei 11.343/06, art. 35: 1) é fato notório, que independe de prova, a existência de facções criminosas dedicadas ao narcotráfico instaladas em diversas comunidades do Estado do Rio de Janeiro; 2) segundo o relato dos agentes da lei, cujas palavras merecem credibilidade a teor do que dispõe o verbete 70, da súmula deste Sodalício, o local do flagrante é dominado pela facção Terceiro Comando; 3) os apelados movimentavam quantidade considerável de drogas e, no momento do flagrante, estavam em posse de maconha, cocaína em pó, crack e haxixe, que totalizavam mais de 300 porções; 4) o flagrante revelou que ambos também atuavam na função de «contenção», portando radiocomunicadores, instrumentos comumente utilizados por organizações do tráfico bem estruturadas, destinados a garantir a segurança do grupo; 5) a função ligada à segurança da associação do tráfico não é confiada neófito, mas sim a traficante experiente, e tal condição só pode alcançada pelo «tempo de serviço» prestado à societas sceleris; 6) tais fatos e circunstâncias revelam clara situação de perenidade; 7) tal condição de estabilidade não foi afastada por nenhuma prova existente nos autos. E não se trata aqui de nenhuma presunção. Como se vê, no presente caso, estamos diante de prova indiciária é múltipla, sendo que os indícios convergem para a mesma conclusão - a prática do crime de associação para o tráfico de drogas -, posto que harmônicos, concatenados e coerentes com as demais provas, estando relacionados entre si e sendo univocamente incriminadores. Os fatos conhecidos e provados, examinados sob a ótica do que preconiza o CPP, art. 239, bem como pelas regras de experiência comum, subministrada pelo que comumente ocorre, nos termos do disposto no CPC, art. 375, levam à certeza de que os apelados estavam associados com indivíduos ligados à facção criminosa local, com patente animus associativo para a prática do tráfico de drogas. De rigor, portanto, a condenação pelo delito da Lei 11.343/06, art. 35, caput. O redutor contido no § 4º, da Lei 11.343/2006, art. 33, não incide na espécie ante a condenação pelo delito de associação para o tráfico, ficando configurada circunstâncias impeditivas do benefício. No plano da dosimetria, na primeira fase, as penas devem ser exasperadas em virtude das circunstâncias dos crimes (para ambos) e dos antecedentes de GUILHERME. Com efeito, restou evidenciado que os recorridos são traficantes que alimentam financeiramente um grupo criminoso bem estruturado, que atua sob a bandeira da facção criminosa autodenominada Terceiro Comando Puro (TCP), o qual exerce domínio territorial não só na localidade onde ocorreu o flagrante, mas também se estende por diversos municípios deste Estado, inclusive a Capital, sendo de conhecimento público que a citada organização criminosa é responsável por confrontos sistemáticos com as Forças de Segurança, incontáveis crimes, inclusive homicídios de policiais militares em serviço, o que torna a presente societas sceleris revestida de circunstâncias altamente negativas, com obrigatória repercussão na resposta penal. Ainda, GUILHERME é portador de maus antecedentes, eis que foi condenado por fato anterior, praticado em 03/08/2019 (Lei 11.343/06, art. 33, caput), transitado em julgado em 08/11/2023 (FAC, anotação 1). Assim, as sanções de GUILHERME devem ser exasperadas em 1/5, e as de LUCAS em 1/6. Em face do quantum de pena aplicado, bem como em função da ligação dos apelados com facção criminosa de altíssima periculosidade (TCP), que é alimentada financeiramente pelos crimes praticados, além dos antecedentes de GUILHERME, deve ser fixado o regime inicial fechado para o resgate da pena privativa de liberdade, com amparo nas disposições do art. 33, § 2º, s «a» e § 3º, do CP. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, na forma do voto do Relator.
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