TJRJ. DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. COBRANÇA ABUSIVA DE CONTA DE ÁGUA. DANO MORAL PRESUMIDO E INEVITÁVEL. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME;
Apelação interposta por concessionária de serviço público contra sentença que, em ação de obrigação de não fazer cumulada com indenização por danos morais, julgou parcialmente procedente o pedido, confirmando a tutela de urgência para impedir a interrupção do fornecimento de água e condenando ao pagamento de danos morais. O litígio originou-se da emissão de faturas com valores excessivamente superiores à média histórica de consumo da parte autora, situação não solucionada administrativamente, apesar de reiteradas tentativas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: Há duas questões em discussão: (i) definir se a falha na prestação do serviço público essencial, mediante cobranças excessivas e ameaças de interrupção no fornecimento de água, configura dano moral indenizável; e (ii) estabelecer se o valor arbitrado a título de compensação moral merece redução por suposta desproporcionalidade. III. RAZÕES DE DECIDIR: A falha na prestação de serviço público essencial, evidenciada pela cobrança manifestamente abusiva e desproporcional à média histórica de consumo, configura, de forma inequívoca, violação aos direitos da personalidade, atingindo diretamente a esfera de dignidade da pessoa humana e ensejando dano moral presumido, cuja ocorrência é inexorável diante da ilicitude do comportamento da prestadora. O STJ consolidou o entendimento de que, em hipóteses como a dos autos, o dano moral não demanda comprovação de sofrimento ou prejuízo concreto, pois resulta, in re ipsa, da própria falha na prestação do serviço essencial, especialmente quando tal falha se prolonga no tempo, sem solução administrativa, obrigando o consumidor a recorrer ao Judiciário para garantir o acesso a bem indispensável à vida. A imposição à parte consumidora de suportar cobranças excessivas e infundadas, somada à ameaça reiterada de interrupção do fornecimento de água ¿ serviço vital à subsistência, saúde e dignidade ¿, ultrapassa o mero aborrecimento, provocando angústia e insegurança incompatíveis com a normalidade da vida cotidiana, afetando profundamente a tranquilidade existencial do usuário. O fornecimento de água potável é expressão concreta da dignidade da pessoa humana, fundamento da República, e sua frustração ou ameaça injustificada impõe ao consumidor gravame moral inaceitável, reforçado pela inércia da concessionária em adotar providências eficazes para apuração e correção da falha. O valor fixado na sentença revela-se adequado e proporcional às circunstâncias do caso, atendendo simultaneamente às funções compensatória e pedagógica da indenização por dano moral, conforme preceitos sedimentados no âmbito do STJ e na Súmula 343/Tribunal de Justiça local, que desautorizam a revisão do montante quando respeitados os parâmetros da prudência e da equidade. A pretensão de redução do quantum fixado esbarra na orientação jurisprudencial segundo a qual apenas valores flagrantemente irrisórios ou exorbitantes justificam intervenção do tribunal revisor, o que não se constata no presente caso, em que a quantia arbitrada se mostra justa diante da gravidade da conduta ilícita e da extensão do abalo causado. A cumulação da obrigação de não fazer, consistente na manutenção do fornecimento de água, com a indenização por danos morais, não configura bis in idem ou enriquecimento sem causa, mas decorre da autonomia e complementaridade dos direitos violados: de um lado, o direito à continuidade do serviço essencial; de outro, o direito à reparação pelos efeitos danosos da falha já consumada. IV. DISPOSITIVO E TESE: Recurso desprovido. Tese de julgamento: A falha na prestação de serviço público essencial, consubstanciada na cobrança excessiva e na ameaça de interrupção do fornecimento de água, caracteriza dano moral presumido e inevitável, independentemente de demonstração de prejuízo concreto. O valor da indenização por danos morais deve ser mantido quando observado o equilíbrio entre a justa compensação ao lesado e o necessário caráter pedagógico da condenação. A cumulação de obrigação de não fazer com indenização por danos morais é juridicamente admissível e não configura enriquecimento ilícito. Dispositivos relevantes citados: CF/88, arts. 1º, III, e 196; CDC, art. 22; CPC/2015, art. 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp. Acórdão/STJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/08/2022; STJ, AgRg no REsp. Acórdão/STJ, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 28/05/2015; STJ, REsp. Acórdão/STJ, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 21/06/2004; STJ, REsp. 248764, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 19/06/2000; Súmula 343/TJRJ.
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