TJRJ. APELAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA INDENIZATÓRIA. INCÊNDIO NO HOSPITAL BADIM. FALECIMENTO DE PACIENTE INTERNADO EM CTI. JULGAMENTO PREMATURO. REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL MÉDICA INDEFERIDO. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA PARA O CORRETO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA INSTAURADA NOS AUTOS. CERCEAMENTO DE DEFESA MANIFESTO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
A Constituição assegura aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF/88, art. 5º, LV). É bem verdade que o juiz é o destinatário da prova, cabendo-lhe a verificação quanto à necessidade e oportunidade para a sua produção, aferindo a utilidade da prova para formação de seu convencimento, nos termos do CPC/2015, art. 370 . Por outro lado, se o magistrado entender que há a necessidade de alguma prova para elucidação dos fatos, deverá determinar a sua produção de ofício, ou seja, ainda que as partes não tenham solicitado, conforme CPC/2015, art. 370, caput : «Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.» In casu, o sentenciante julgou procedente o pedido inicial para condenar os réus, solidariamente, a pagarem uma indenização de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a cada uma das autoras, em razão do falecimento de seu pai e avô no mesmo dia em que ocorrido o famigerado incêndio nas dependências do Hospital Badim, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, afirmaram as autoras na exordial que o Sr. Virgílio Claudino da Silva foi internado no referido hospital em 28.06.2019, vitimado por um AVC que paralisou seu lado esquerdo, ocasião em que apresentava dificuldade de deambulação e fala. Narram que dois dias depois, em 30.06.2019, o paciente apresentou quadro de vômito e bronco aspiração maciça, razão pela qual teria sido colocado em coma pela equipe médica, sob ventilação mecânica. No ponto, destacaram que a bronco aspiração maciça teria sido ocasionada por negligência da equipe médica, uma vez que, segundo defendem, o Sr. Virgílio não poderia se alimentar sozinho nas condições clínicas em que se encontrava. Argumentaram, por fim, que no dia 12.09.2019, data em que ocorrera o incêndio no indigitado Hospital Badim, a energia elétrica do local foi cortada, e com isso, o Sr. Virgílio, que se encontrava sob suporte pleno para respirar, veio a óbito. Com a inicial, juntaram documentos, dentre os quais a certidão de óbito de seu pai e avô, documento no qual se verifica ter sido apontada como causa da morte uma «embolia maciça e anasarca» (acúmulo excessivo de líquido nos tecidos do corpo). Ocorre, porém, que instadas as partes a se manifestarem em provas, os réus requereram a produção de prova pericial médica, a qual poderia estabelecer o nexo de causalidade entre o evento incêndio ocorrido no hospital e o falecimento do Sr. Vírgilio (mormente porque em sua certidão de óbito não consta asfixia como causa da morte), além de esclarecer sobre o estado de saúde do paciente na data do óbito, a extensão das suas comorbidades e as causas adjacentes que contribuíram para o seu falecimento, circunstâncias que podem influenciar no quantum indenizatório eventualmente devido aos familiares do paciente vitimado. Ademais, a referida prova também teria o condão de elucidar a responsabilidade dos recorrentes quanto à alhures citada bronco aspiração ocorrida em 30.06.2019, a qual teria motivado a colocação do paciente em coma no CTI, sob ventilação mecânica. Entretanto, inobstante seja patente a importância da perscrutada prova para o correto deslinde da controvérsia instaurada nesses fólios, às fls. 572, o magistrado a quo indeferiu sua produção sob o fundamento de que ela não seria imprescindível para determinar os fatos e os limites da responsabilidade da ré pelos danos gerados. Contudo, de forma contraditória, nesse mesmo decisum, o juízo de origem deferiu a produção de prova documental suplementar referente a documentos e prontuários médicos que pudessem demonstrar a situação clínica da vítima. Ora, a situação clínica da vítima, a qual, manifestamente, também é um fator relevante para elucidação adequada do caso, somente poderia ser avaliada por um profissional técnico especializado (médico) de confiança do juízo, haja vista que carece o magistrado da expertise necessária à conformidade dessa avaliação. Ou seja, embora o magistrado tenha discricionariedade para decidir sobre as provas necessárias ao julgamento do feito, o indeferimento da perícia médica em casos que demandem essa análise técnica específica configura nítido cerceamento de defesa, notadamente quando envolva matéria de alta complexidade, como no presente caso. Sob tal prisma, a sentença objurgada revela-se prematura, porquanto proferida sem ter sido adequadamente finalizada a fase probatória do feito, ante a necessidade de produção da prova pericial médica requerida pelos recorrentes, o que impõe a anulação do decisum. Com a anulação da sentença, prejudicados os demais pontos ventilados no recurso. Preliminar acolhida. Recurso conhecido e provido.
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