TJRS. APELAÇÃO. FEMINICÍDIO. TRIBUNAL DO JÚRI. INSURGÊNCIAS DEFENSIVA E MINISTERIAL. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. ERRO OU INJUSTIÇA NA APLICAÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE.
1. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. A soberania do veredicto proferido pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri é contida em cláusula pétrea prevista na CF/88, especificamente no art. 5º, XXXVIII, de modo que a anulação do julgamento, nos termos da alínea ‘d’, III, do CPP, art. 593, somente pode ser reconhecida quando a decisão dos jurados contrariar, manifestamente, a prova dos autos. In casu, o acolhimento de uma das versões presentes nos autos, lastrada em dados probatórios, não permite a remessa do acusado a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. E, no caso, donde se colhe prova suficiente no sentido de que o réu teria perseguido a vítima, fazendo-a descer do carro do casal de amigos que a levava para casa, bem como a alcançado com seu veículo enquanto a ofendida tentava chegar em sua casa a pé e a atacado com golpes de faca, com absoluta tranquilidade se dá como escorreita a decisão do Conselho de Sentença, afastando-se a alegação de que o réu teria agido por legítima defesa de forma antecipada. Não é possível identificar, no contexto dos fatos, qualquer indício de que o réu acreditasse que sua vida estaria em risco. Colhe-se de igual modo certeira a incidência das qualificantes, uma vez que testemunhas afirmaram ter o réu se descontrolado ao perceber que a vítima havia recebido uma mensagem em seu celular e se recusado a mostrar seu conteúdo ou dizer quem era o remetente, relacionado, ao que se viu de seus relatos, de repulsivo sentimento de posse e dominação homem/mulher. Possível a cumulação entre as qualificadoras do feminicídio e do motivo torpe. Isso se dá exatamente porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem objetiva – vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita –, enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito. Merece, deste modo, ser acatado o decisum, em obediência aos princípios da íntima convicção e da soberania dos veredictos, previstos constitucionalmente, não havendo que se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos. 2. ERRO OU INJUSTIÇA NA FIXAÇÃO DA PENA. Na primeira fase de individualização da pena do delito contra a vida, colhe razão o Parquet quando pede a negativação da culpabilidade do agente, porque ele tinha consciência do fato e possibilidade de agir de modo totalmente diverso. Ou seja, o acusado perseguiu a vítima, interceptou o carro em que ela se encontrava e a fez descer do veículo. Quando a ofendida passou a caminhar em direção a sua residência, tendo se recusado a entrar no carro do réu, o acusado a seguiu e desferiu quatro golpes de faca, o que revela a elevada intensidade do dolo e a frieza na execução delitiva. Modo igual, as consequências do delito merecem especial reprovação, porquanto a vítima era mãe de família e deixou dois filhos menores desamparados, o que, isoladamente, tem o condão de elevar a pena-base. Não é possível a negativação das circunstâncias do delito, conforme requerido pelo Ministério Público, uma vez que inerentes ao tipo penal. Pena-base elevada para 16 anos de reclusão. Na segunda etapa dosimétrica, incidente uma atenuante (confissão) e uma agravante (motivo torpe), exasperadas e recrudescidas na mesma fração (1/6), vai a pena intermediária do delito de homicídio fixada em 16 anos de reclusão, tornada definitiva diante da ausência de outras causas modificadoras. Não assiste razão a defesa ao requerer a aplicação da privilegiadora prevista no art. 121, §1º, do CP, refutada pelos jurados. Mantido, também, o regime inicial fechado para o cumprimento da pena, fulcro no art. 33, §2º, a, do CP. Prequestionadas as matérias ventiladas.
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