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DOC. 477.9782.8396.9581

TJRJ. Apelação criminal defensiva. Condenação por crime de estelionato, duas vezes, em cúmulo material. Recurso que persegue: 1) a absolvição do apelante, por alegada carência de provas; 2) o reconhecimento de crime único ou da continuidade delitiva; 3) a revisão da dosimetria, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal; 4) a concessão de restritivas; 5) o abrandamento de regime; e 6) a exclusão da quantia fixada à título de indenização. Mérito que se resolve parcialmente em favor da Defesa. Materialidade e autoria inquestionáveis. Instrução revelando que o Apelante (com quem a vítima já havia contratado empréstimo anteriormente e por ele nutria confiança), em duas oportunidades distintas (nos meses de abril e junho de 2023), obteve vantagem econômica ilícita (nos valores de R$ 17.000,00 e R$ 15.000,00, respectivamente), em prejuízo da vítima, induzindo-a em erro, por meio fraudulento, ao realizar dois empréstimos em nome desta. Tais valores foram àquele repassados logo após serem disponibilizados em sua conta, sob a promessa de renegociação dos anteriores, em condições mais vantajosas, o que jamais ocorreu, ficando a vítima com o total de quatro empréstimos consignados ativos, sem a quitação de qualquer deles pelo acusado, não sendo tampouco restituídos os valores a ele transferidos (no total de R$ 32.000,00). Palavra da vítima que, em sede de crime contra o patrimônio, exibe relevância preponderante. Vítima que externou relato firme e coerente, durante toda a persecução penal, corroborando os fatos narrados na denúncia. Testemunhal acusatória e documentação acostada aos autos ratificando a versão restritiva. Acusado que optou pelo silêncio, tanto na DP, quanto em juízo. Ambiente jurídico-factual que não deixa dúvidas quanto à procedência da versão restritiva. Tipo do CP, art. 171 que pressupõe o emprego doloso da fraude, o induzimento ou manutenção da vítima em erro, a obtenção de vantagem patrimonial ilícita e o prejuízo alheio. Prova do elemento subjetivo que se aperfeiçoa a partir da análise dos dados objetivos, sensíveis, do fato, e por aquilo que naturalisticamente se observou, aquilata-se, no espectro valorativo, o que efetivamente o agente quis realizar. Crime de estelionato tipificado que possui natureza material e se consuma no momento da obtenção da vantagem indevida, em prejuízo de outrem. Embora incogitável o pretendido reconhecimento de crime único, viável se mostra a incidência do CP, art. 71 entre os injustos. Fenômeno da continuidade delitiva operada na espécie, positivada a unidade desígnios para o cometimento dos crimes de estelionato em série contra a vítima, num mesmo modus faciendi, em exíguo espaço de tempo entre uma ação e outra, em circunstâncias e locais rigorosamente similares, tudo a evidenciar o necessário «liame volitivo entre os delitos, a demonstrar que os atos criminosos se apresentam entrelaçados, que a conduta posterior constitui um desdobramento da anterior» (STJ). Juízos de condenação e tipicidade, nesses termos, alterados. Dosimetria que tende a ensejar reparo, tão somente em razão do reconhecimento da continuidade delitiva. Idoneidade da negativação da pena-base pelos vetores das circunstâncias e das consequências, já que devidamente fundamentada pela instância de base em elementos concretos dispostos nos autos (crime praticado em estabelecimento situado no centro comercial da Comarca, expondo a risco um número elevado de pessoas, e se valendo da confiança havida com a vítima + expressivo prejuízo, totalizando R$ 32.000,00), que, de fato, extrapolam aquelas já valoradas pelo legislador por ocasião da formulação do modelo incriminador. Firme orientação do STJ no sentido de se quantificar, nas primeiras fases de depuração, segundo a fração de 1/6, sempre proporcional ao número de incidências, desde que a espécie não verse (como é o caso) sobre situação de gravidade extravagante. Configuração do CP, art. 71 que enseja o aumento de 1/6 sobre uma das penas (já que idênticas), atento ao teor da Súmula 659/STJ. Negativação do CP, art. 59 que inviabiliza a substituição da PPL por restritivas (CP, art. 44, III) ou a concessão de sursis (CP, art. 77, II). Regime prisional que há de ser depurado segundo as regras do CP, art. 33, mantendo-se, na espécie, a modalidade semiaberta, considerando o volume de pena e a negativação do CP, art. 59. Tema relacionado à execução provisória das penas que, pelas novas diretrizes da jurisprudência vinculativa do STF (ADCs 43, 44 e 54), não mais viabiliza a sua deflagração a cargo deste Tribunal de Justiça. Situação dos autos que, todavia, não se insere nessa realidade. Acusado que já se encontrava preso por força de decreto de prisão preventiva, cujos termos, hígidos e vigentes ao longo da instrução, foram ratificados por ocasião da sentença condenatória, alongando sua eficácia. Custódia prisional mantida, reeditando seus fundamentos, agora ancorada por regime prisional compatível com a segregação (STJ). Pedido de afastamento da condenação a título de reparação de danos que merece prosperar em parte. Viabilidade teórica do pleito, desde que haja pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público (STJ), o que se verifica no caso dos autos (cf. denúncia). Pedido de indenização que deve estar suficientemente comprovado por lastro idôneo, submetido ao contraditório processual e com produção a cargo da parte autora (CPP, art. 156). Advertência doutrinária de Nucci no sentido de que a parte autora «precisa indicar valores e provas suficientes a sustentá-los. A partir daí, deve-se proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova de modo a indicar valor diverso ou mesmo apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser reparado. Se não houver formal pedido e instrução específica para apurar o valor mínimo para o dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida infringência ao princípio da ampla defesa". Na espécie, em relação ao dano material, houve comprovação das transferências bancárias realizadas pela vítima para o acusado, nos valores de R$ 17.000,00 e R$ 15.000,00, antes mesmo do oferecimento da denúncia, sendo oportunizado o contraditório e a ampla defesa. Quantia relacionada ao dano moral que se afasta. Hipótese dos autos em que não houve a produção de provas acerca da extensão dos danos extrapatrimoniais efetivamente suportados pela vítima e da sua quantificação, a proporcionar o contraditório judicial. Recurso defensivo a que se dá parcial provimento, para reconhecer a continuidade delitiva e redimensionar as penas finais para 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, além de 15 (quinze) dias-multa, à razão unitária mínima, e afastar quantia arbitrada a título de reparação de danos morais, reduzindo o valor mínimo indenizatório para R$ 32.000,00 (danos materiais).

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