TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. TRIPLO HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. DECISÃO NÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. DOSIMETRIA. EXECUÇÃO IMEDIATA DA PENA (CPP, art. 492, I, «E»). 1)
Vigora no Tribunal do Júri o princípio da íntima convicção; os jurados são livres na valoração e na interpretação da prova, somente se admitindo a anulação de seus julgamentos excepcionalmente, em casos de manifesta arbitrariedade ou total dissociação das provas contidas nos autos. Se a opção feita pelo Conselho de Sentença sobre as versões antagônicas apresentadas pela acusação e pela defesa encontrar respaldo em alguma prova dos autos ¿ como no caso ¿ não há que se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos. 2) Na espécie, não se controverte acerca da presença do réu, policial militar, no local e momento do crime, centrando a alegação da defesa na assertiva de que não fora ele quem efetuara os disparos de arma de fogo contra as vítimas, mas sim traficantes da boca de fumo da área; ao avistarem a guarnição que incursionava no morro, esses traficantes, reunidos em uma parte mais baixa da comunidade, teriam iniciado um tiroteio com os policiais e alvejado as vítimas na linha de tiro. A versão, porém, é infirmada não apenas pelos depoimentos em plenário prestados pela mãe e irmã de uma das vítimas, que negaram a ocorrência de uma troca de tiros na ocasião, mas também pela perícia realizada no local do crime. 3) As depoentes contaram que os três jovens conversavam no portão de casa no momento do início dos tiros. Com os estampidos, elas, que estavam no interior da residência com uma criança e outra moradora, deitaram-se no chão para se abrigar. Segundo a irmã de uma das vítimas, ela mesma, minutos antes, fazia-lhes companhia e resolvera entrar na residência para tomar banho, ocasião em que, pela janela do banheiro, viu a aproximação de uma picape cinza e um homem de costas portando um fuzil, vestindo um casaco camuflado do tipo do Exército e touca preta; em seguida, ouviu disparos de arma de fogo e gritos de socorro das vítimas, inclusive, escutou a irmã dizer ¿ai, moço, eu moro aqui¿. Também disse ter ouvido alguém confabulando através de um radiocomunicador quando, então, percebeu que se tratava de um policial. Por sua vez, a mãe dessa mesma vítima disse ter ouvido outra vítima a implorar ¿Ela não, ela não!¿, para que os algozes não fizessem nada com a filha. 4) Os laudos de exame de local e de reprodução simulada consignaram que não foram encontrados vestígios de tiros no lugar onde os policiais afirmaram estar ¿ e, portanto, para onde os disparos dos supostos traficantes teriam sido direcionados ¿ bem como que, em virtude do ângulo dos tiros nos corpos, vítimas e atiradores encontravam-se no mesmo nível (ou seja, na própria rua onde as vítimas foram alvejadas), e não em planos distintos no morro, como narrado pelos policiais. 5) Ao contrário do que pretende a defesa, do laudo de confronto balístico negativo não é possível extrair a assertiva de que os tiros que alvejaram as vítimas não provieram da arma do réu, pois as armas que ele mesmo disse portar na ocasião não foram objeto de confronto balístico. Não obstante, alguns dos estojos de munição deflagrados e um projétil aprendidos e encaminhados à perícia mostraram-se compatíveis com as armas pertencentes ao réu. 6) Os laudos de exame cadavérico e esquemas de lesões revelaram que a vítima João Carlos ¿ de 19 anos de idade ¿ foi atingida por cinco disparos de arma de fogo, sendo quatro na frente e um nas costas, a vítima Luciana, de 13 anos de idade ¿ foi atingida por seis disparos, sendo três na frente, dois nas costas e um de raspão, e que a vítima Luiz Eduardo ¿ de 15 anos ¿ por um disparo nas costas. Apesar dos vários tiros sugerirem a morte das vítimas in loco, seus corpos foram removidos pelos policiais que, mais tarde em delegacia, apresentaram a ocorrência como ¿homicídio proveniente auto de resistência¿, ou seja, figurando as vítimas como sendo os criminosos. 7) Todo o panorama apresentado permite a conclusão de que a narrativa acerca de um confronto com criminosos armados se mostrou inverídica e que os diversos tiros a atingirem as vítimas originaram-se das armas dos policiais, notadamente do réu, que admitiu haver efetuado disparos; outrossim, afasta a perspectiva de conduta culposa, pois, além dos relatos de que as vítimas rogaram para não ser mortas, os vários tiros pela frente e costas, no mesmo plano, praticamente em linha reta, indicam que os disparos foram efetuados de forma consciente e intencional. 8) O caso não é de inexistência absoluta de provas para a condenação; apenas os jurados, avaliando os fatos e circunstâncias evidenciados pelo conjunto probatório, não acreditaram na versão defensiva. A valoração da prova e suas nuances compete ao corpo de jurados, sendo indevido menoscabar sua opção acerca das versões apresentadas. Não há como a Corte imiscuir-se nessa decisão, substituindo-se aos jurados, sob pena de invadir a soberania constitucional dos julgamentos do Tribunal do Júri, juiz natural da causa (CF/88, art. 5º, XXXVIII, c). 9) Conforme jurisprudência pacífica, presentes duas qualificadoras no homicídio, é possível a utilização de uma delas para qualificar a conduta e a valoração da outra na primeira fase da dosimetria ¿ o que foi seguido pela magistrada. Não obstante, a jurisprudência também assere que, à míngua de fundamentação concreta a indicar um maior desvalor na conduta, o aumento efetuado na primeira fase deve observar a fração de 1/6 (um sexto) para cada vetorial negativa, em atenção aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 10) Não há como reconhecer o concurso formal próprio entre os homicídios, porquanto, embora sob as mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, num único contexto fático, as circunstâncias trazidas pela prova ¿ com as vítimas pedindo socorro e sendo alvejadas, cada qual, com tiros inclusive nas costas ¿ indicam a existência de desígnios autônomos. 11) A legalidade do recolhimento do réu ao cárcere já foi reconhecida por este Colegiado no julgamento recente do Habeas Corpus 0029439-17.2024.8.19.0000, em que se pretendia a revogação da custódia para que permanecesse ele respondendo ao processo em liberdade. Por maioria, a ordem foi denegada, encontrando-se a questão preclusa no âmbito desta Corte. De todo modo, vale registrar que o art. 492, I, e do CPP, a autorizar a execução provisória em casos de condenação pelo Júri a pena igual ou superior a 15 anos de reclusão, não veicula norma de natureza penal, podendo ser aplicado segundo o princípio tempus regit actum, e, ademais, a despeito de sua constitucionalidade encontrar-se em discussão no E. Supremo Tribunal Federal à luz da CF/88, art. 5º, XXXVIII, c (Tema 1.068), o dispositivo não teve a eficácia suspensa cautelarmente pelo STF e permanece em pleno vigor. Provimento parcial do recurso.
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