TJRJ. Apelação. Ação indenizatória. Promessa de compra e venda de imóvel. Atraso na entrega das chaves. Cobrança de taxa de obra. Devolução na forma simples. Inversão da cláusula penal. Cumulação de cláusula penal com lucros cessantes ou valor locativo. Impossibilidade. Dano moral configurado. Inicialmente, cabe esclarecer que a hipótese em discussão se regula pelos princípios que regem as relações de consumo, já que o réu está na condição de fornecedor, e o autor, na de consumidor, por ser o destinatário final do produto. Dessa forma, sujeitam-se as partes à aplicação das normas do CDC. Tratando-se de responsabilidade objetiva do fornecedor, que se estabelece independentemente da comprovação de culpa, que somente será afastada por questões de força maior, caso fortuito, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro, nos moldes do CDC, art. 14. O autor veiculou pretensão indenizatória em razão do atraso da empresa ré em relação à entrega de chaves de apartamento adquirido no programa Minha Casa Minha Vida, o que, segundo sua narrativa, resultou no prolongamento do pagamento da taxa de evolução de obra à Caixa Econômica Federal, além de prejuízos de ordem material e moral. Por sua vez, a empresa ré afirma que não houve atraso nas obras tendo em vista que o termo para entrega das chaves foi substituído no contrato de alienação fiduciária assinado com a Caixa Econômica Federal. Além disso, argumenta que, segundo previsão contratual, não há inadimplência quanto à obrigação de entrega das chaves em razão do atraso na obtenção do habite-se. Não procede o argumento da empresa ré no sentido de que o prazo para entrega deva ser contado de acordo com a previsão do contrato de alienação fiduciária assinado com a CEF, pois seria vincular o prazo de conclusão à concessão do financiamento, trazendo grande desvantagem ao adquirente e violando a regra do art. 51, IV do CDC. Não prospera igualmente o argumento de que não houve mora quanto à entrega de chaves por ter sido decorrente de atraso na obtenção do habite-se. Primeiramente, a ressalva viola o supracitado dispositivo da lei consumerista tendo em vista que o encargo de se obter o habite-se compete à incorporadora, que não pode se eximir de responsabilidade por não o cumprir no prazo estipulado. Ademais, o certificado de habite-se consigna que as obras do empreendimento foram concluídas em 31/08/2019, quando já ultrapassado o termo final para entrega das chaves, logo a mora não decorreu de problemas relativos à obtenção do habite-se. Ressalte-se que questões relativas à necessidade de readequação de projetos e problemas com o terreno não podem servir de escusa para a demora por se tratar de riscos inerentes à atividade desempenhada pela empresa ré, constituindo fortuito interno. Dessa forma, patente a caracterização do inadimplemento da empresa ré quanto à obrigação de entrega das chaves, sendo cabível a devolução dos valores pagos como taxa de evolução de obra à CEF, uma vez que, apesar de ser legal, a referida taxa incide até o prazo estabelecido na promessa de compra e venda para a entrega das chaves, observando-se o prazo de tolerância previsto contratualmente. A devolução deverá ser feita na forma simples já que a cobrança da taxa de evolução da obra é feita pela CEF e não pelas incorporadoras, de modo que não incide a regra do art. 42, parágrafo único, do CDC. No que se refere à inversão da cláusula penal, a jurisprudência há muito se consolidou no sentido de que, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá esta ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor, estando correta a sentença. Tema 971 do STJ. Por outro lado, houve a consolidação do entendimento jurisprudencial no sentido de que é incabível a cumulação de cláusula penal moratória, que tenha a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, com danos emergentes ou lucros cessantes, conforme estabelecido em tese do julgamento do Tema 970. No caso, como houve a inversão da cláusula penal em favor do autor, deve ser mantida a improcedência do pedido de condenação ao pagamento de valor locativo ou lucros cessantes. O pedido de condenação da parte ré ao pagamento das taxas condominiais e impostos relativos ao período de atraso não merece prosperar, porquanto o autor não trouxe qualquer elemento de prova para comprovar que arcou com despesas condominiais ou com o pagamento de impostos antes da entrega das chaves, não se desincumbindo de seu ônus probatório previsto no CPC, art. 373, I. Dano moral configurado. A mora em relação à obrigação de entrega das chaves perdurou por um ano e meio, não podendo ser qualificada como mero aborrecimento, por frustrar por todo esse longo período a legítima expectativa de usufruir do bem adquirido no prazo contratado. No que concerne ao quantum indenizatório, deve o julgador estar atento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não se afastando, ainda, do caráter punitivo-pedagógico da condenação, de modo que a sua fixação sirva de desestímulo do ato danoso, mas ao mesmo tempo, não gere o enriquecimento sem causa do consumidor. Desse modo, a verba indenizatória no valor de R$ 10.000,00, está adequada aos critérios de razoabilidade, sem deixar de atender aos efeitos punitivos e pedagógicos necessários a repelir e evitar tais práticas lesivas aos consumidores. Por fim, a sentença merece pequeno reparo para que a fluência dos juros de mora da compensação por dano moral seja a partir da data da citação, por se tratar de responsabilidade contratual. Provimento parcial do recurso do autor. Desprovimento do recurso da parte ré.
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