TJRJ. APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. SENTENÇA TERMINATIVA. DESNECESSIDADE DE FASE PROBATÓRIA. MÉRITO. ATOS PRATICADOS POR PARLAMENTARES NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ILEGITMIDADE PASSIVA DO AGENTE PÚBLICO. TEMA 940 DO STF. MANUTENÃO DA SENTENÇA.
Recurso de apelação interposto em face da r. sentença, que nos autos de ação indenizatória, julgou extinto o feito sem julgamento do mérito, reconhecendo a ilegimitidade passiva dos réus. Recurso de apelação interposto pela parte autora requerendo a anulação/reforma da sentença. Os autores arguem, inicialmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, tendo em vista o julgamento sem que houvesse a devida instrução probatória. Aduzem que o julgamento sem análise probatória cerceia o direito de comprovarem que os réus extrapolaram suas funções parlamentares, configurando condutas pessoais e abusivas. No mérito, defendem que os atos praticados não estão relacionados ao exercício legítimo das funções públicas dos réus. Aduzem que os atos extrapolam claramente os limites das funções parlamentares dos réus, caracterizando-se condutas de natureza estritamente pessoal e desvinculadas de qualquer atribuição funcional. Indicam que os réus, ao se dirigirem ao local onde os apelantes realizam uma operação de trânsito autorizada, não estavam cumprindo qualquer função ou prerrogativa parlamentar (doc. 160307273). Passo a analisar. Preliminar de nulidade da sentença. Os apelantes afirmam a nulidade da sentença, visto que foi suprimida a fase probatória. Como se sabe, ao estabelecer o princípio da proteção judiciária, dispondo que «a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito» (CF/88, art. 5º, XXXV), a Constituição eleva a nível constitucional os direitos de ação e defesa, face e verso da mesma medalha, dando a esses direitos conteúdos, assegurados durante todo o procedimento e indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. A Constituição assegura aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF/88, art. 5º, LV). Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa - como poder correlato ao de ação - que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório.É bem verdade que o juiz é o destinatário da prova, cabendo-lhe a verificação quanto à necessidade e oportunidade para a sua produção, aferindo a utilidade da prova para formação de seu convencimento, nos termos do CPC, art. 370. No caso em análise, foi exarado ato ordinário instando as partes a indicarem as provas que pretendiam produzir. Após a manifestação de cada parte, o magistrado proferiu sentença terminativa, acolhendo a preliminar de ilegitimidade passiva. Ora, se o julgamento não foi meritório, não há que se falar em cerceamento de defesa por falta de fase probatória. Como cediço, a análise das condições da ação antecede a análise de mérito, e, portanto, inexiste nulidade a se reconhecer na sentença. Mérito. Trata-se de ação indenizatória em que alegam os autores que os réus agiram em claro desvio de sua função parlamentar, ao promoverem a fiscalização de uma operação de trânsito, ocorrida no dia 10/10/2023. Sobre o ocorrido, os autores afirmam o seguinte: «(...) os réus foram até o local onde estava sendo realizada a operação de trânsito, apresentaram-se como parlamentares e fizeram questionamentos quanto à licitude da operação. 9. Os demandantes, então, de boa-fé e prezando pelo bom diálogo institucional - já que todos eram servidores públicos - responderam objetivamente a todos os questionamentos que foram realizados, deixando claro, portanto, que a operação se encontrava dentro da legalidade. 10. Todavia, os demandados, em flagrante quebra de decoro, agindo em completa dissonância com seu exercício profissional e em tom desrespeitoso, iniciaram diversas ofensas - físicas e verbais (...). Os réus, despidos de vontade de realizar qualquer diálogo, chegaram ao local acusando os autores de mafiosos, milicianos da prefeitura e ladrões, sob o raso argumento de que a operação ali travada pretendia «roubar os contribuintes» da cidade do Rio de Janeiro. Os parlamentares tentaram coagir os autores, alegando, inclusive, que estavam apoiando um «assalto» (...)". Como se vê, os autores defendem, em suma, que os réus agiram fora de suas funções como parlamentares, tratando-se de atos eminentes pessoais e caracterizados como abuso de autoridade. Em sua contestação, os réus arguiram preliminar de ilegitimidade passiva, argumentando que o polo passivo deveria ser ocupado pelo Estado do Rio de Janeiro, visto que, no momento dos fatos, se encontravam no estrito exercício de suas funções públicas. A sentença acolheu a preliminar, e deve ser mantida, conforme os fundamentos a seguir. Ao atuar e intervir nos mais diversos setores da vida social, a Administração submete os seus agentes e também o particular a inúmeros riscos. Esses riscos são da essência da atividade administrativa e resultam da multiplicidade das suas intervenções, que são indispensáveis ao atendimento das diversas necessidades da coletividade. O risco administrativo, portanto, não raro, decorre de uma atividade lícita e absolutamente regular da Administração, daí o caráter objetivo desse tipo de responsabilidade, que faz abstração de qualquer consideração a respeito de eventual culpa do agente causador do dano. O fundamento da responsabilidade objetiva estatal reside, portanto, na natureza da atividade administrativa, que se desenvolve em benefício de todos, exigindo-se na hipótese de eventual dano aos administrados uma verdadeira espécie de solidarização do risco. Com efeito, a conclusão a que se chega é a de que a sua responsabilidade é de natureza objetiva, fulcrada, inclusive, no art. 37, § 6º da CF/88, de sorte que sua caracterização independe da demonstração da culpa, bastando a comprovação do dano e do nexo causal. Em relação aos agentes públicos, no entanto, a responsabilidade é subjetiva, conforme prevê o supracitado dispositivo legal, em seu §6º. Sobre o tema, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o mencionado dispositivo «é inequívoco ao estabelecer, em um primeiro passo, a responsabilidade civil objetiva do Estado. Na cláusula final, tem-se a dualidade da disciplina, ao prever direito de regresso da Administração na situação de culpa ou dolo do preposto responsável pelo dano. Consoante o dispositivo, a responsabilidade do Estado ocorre perante a vítima, fundamentando-se nos riscos atrelados às atividades que desempenha e na exigência de legalidade do ato administrativo. A responsabilidade subjetiva do servidor é em relação à Administração Pública, de forma regressiva.» (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.027.633 - Ministro MARCO AURÉLIO - Tema 940 do STF). Depreende-se, portanto, que o legislador constituinte separou as responsabilidades: o Estado deve indenizar a vítima, e o agente público responsável indeniza o Estado, de forma regressiva. Aplicando-se tal entendimento à hipótese em testilha, é forçoso concluir pela ilegitimidade passiva dos réus. Isso porque, os fatos narrados pelos autores não ocorreram enquanto os réus se encontravam em situações particulares do cotidiano. Restou demonstrado que os réus, no momento da ocorrência dos fatos, estavam à serviço público, no exercício de função pública. Conforme restou demonstrado em contestação, os réus se dirigiram ao local em que estava ocorrendo a operação de trânsito, pois são membros da Comissão Especial de Desordem Urbana, conforme Resolução 11/2023, emitida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Tendo em vista que as diligências foram realizadas durante o exercício de função pública, eventuais prejuízos decorrentes dessa atuação devem ser perseguidos, primeiramente, em relação ao ente público a que se vinculam os agentes. Posteriormente, tais agentes poderão ser responsabilizados perante o Estado, em ação regressiva. A alegação de desvio de função ou abuso de autoridade, por si só, não atrai a responsabilidade pessoal dos réus, visto que o mérito de sua atuação pública deverá ser avaliado em eventual ação regressiva ajuizada pelo Estado. Não se tratou de ato pessoal, como afirmam os autores, mas ato praticado no exercício da função pública. Esse, inclusive, foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 940 do STF, segundo o qual: «A teor do disposto no CF/88, art. 37, § 6º, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.»Com efeito, tratando-se de fato supostamente lesivo praticado por agente público na execução das atividades estatais, a vítima deve mover a ação de indenização contra a pessoa jurídica de direito ente público à qual o agente se encontra vinculado, devendo demonstrar apenas o dano e o nexo de causalidade com a atividade estatal. Destarte, correta a sentença ao acolher a preliminar de ilegitimidade passiva. Recurso desprovido.
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