TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. CONDENAÇÃO, PENAS DE 05 ANOS, 06 MESES E 20 DIAS DE RECLUSÃO EM REGIME FECHADO E 13 DIAS-MULTA, EM SUA FRAÇÃO MÍNIMA. MANTIDA A CUSTÓDIA CAUTELAR. RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. SUBSIDIARIAMENTE QUER O AFASTAMENTO DA MAJORANTE QUE SE REFERE AO EMPREGO DE ARMA DE FOGO, A FIXA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE EM SEU PATAMAR MÍNIMO E O ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL.
A exordial acusatória narra que o denunciado, de forma consciente e voluntária, subtraiu, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, coisa alheia móvel consistente no veículo automotor da marca Nissan, modelo Tiida, na cor prata, ano 2009, placa LSP-3066, com CRLV; CNH; cédula de identidade; CPF; compras de alimentos avaliada em R$ 400,00 (quatrocentos reais e aparelho de telefone celular da marca Apple, modelo iPhone 7, de propriedade do ofendido Bruno e a CNH da ofendida Laís. EM Juízo foram ouvidas as duas vítimas. Lais reconheceu Ronaldo e Bruno não reconheceu o réu, pessoalmente. Interrogado, o recorrente exerceu seu direito de permanecer em silêncio. Ainda integram os autos do processo a oitiva das vítimas e os autos de reconhecimento realizados em sede policial (e-docs. 15 e 23). E postas as coisas nesses termos, fica evidenciada a materialidade do crime, mas autoria não. Vejamos. Consta dos documentos juntados ao e-doc. 15 que Bruno e Laís deram a mesma descrição física do réu, qual seja, «jovem aparentando 20 a 24 anos, negro, magro e aproximadamente 1,80m de altura» (fls. 01 e 05). Consta dos autos de reconhecimento, acostados ao e-doc. 23 que Bruno e Lais reconheceram Ronaldo após indicar as características físicas acima mencionadas, por meio de foto. No mesmo documento eletrônico constam as fotografias através das quais as vítimas reconheceram o recorrente. Em Juízo, Lais disse que o roubador tinha mais de 1,60m de altura, era moreno escuro, mas não era negro e reconheceu Ronaldo como sendo a pessoa que praticou o crime em questão. A ofendida ainda disse que quando chegou na delegacia, reconheceu de pronto o réu por uma foto que estava exposta em um mural e depois o reconheceu pelas fotos mostradas pelos policiais, em um álbum. Também em Juízo, Bruno descreveu o autor do fato como tendo mais ou menos 1,78m, sendo moreno mais escuro, mas não negro e não reconheceu Ronaldo pessoalmente. A vítima ainda contou que acredita que o roubador usava um boné, no momento do crime. Do depoimento de Bruno ainda se extrai o fato de que o ofendido parece ter sido influenciado pela sua esposa para fazer o reconhecimento em sede policial. Assim, o que parece ter ocorrido, no caso concreto foi a criação de falsas memórias. Explica-se. Segundo Aury Lopes Jr. «as falsas memórias se diferenciam da mentira, essencialmente porque, na primeira, o agente crê honestamente no que está relatando, pois a sugestão é externa (ou interna, mas inconsciente), chegando a sofrer com isso. Já a mentira é um ato consciente, onde a pessoa tem noção do seu espaço de criação e manipulação» (Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol. 1. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007, p. 624). Sobre o tema, ainda temos a valiosa lição de Cristina Di Gesu. Também se considera importante pontuar que o entendimento firmado pelas Cortes Superiores é no sentido de que o reconhecimento formal, como meio de prova, é idôneo a identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial (HC 22.907/SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 4/8/2013). O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro igualmente vem entendendo a importância de se observar o CPP, art. 226 e de se ter especial atenção com os reconhecimentos feitos por meio de fotografia, como se observa no Aviso 2ºVP 01/2022 (07 de janeiro de 2022). No caso, Laís reconheceu o réu antes que se seguisse o roteiro imposto pelo art. 226, II do CP, e a partir da observação da foto exposta em um mural na parede da delegacia de polícia, 54ª DP, passou a reconhecer aquele homem no álbum de fotos e ainda em juízo. E a enfraquecer o reconhecimento feito tanto em sede policial, pelas duas vítimas, quanto em Juízo, apenas por Laís, observa-se que a descrição sobre a cor do réu dada em sede policial foi diferente da apresentada em Juízo. E analisando a foto da folha penal do réu, bem como o seu interrogatório, gravado em vídeo, vê-se que Ronaldo é uma pessoa negra. Acrescenta-se que os fatos se deram, segundo Laís, por apenas alguns segundos, de noite e que toda a situação foi muito traumática. Neste cenário, não parece crível que a vítima tenha conseguido fixar o rosto do roubador. Acrescentam-se, ainda, as peculiaridades da folha penal do réu, que chamam a atenção. São 30 anotações e todos os fatos criminosos ali dispostos são oriundos da 54ª DP. local onde a fotografia do réu estava exposta, em um painel, na parede. Destas, 29 se referem a crimes de roubo. O réu foi absolvido em 09 processos. Em um processo a denúncia foi rejeitada e não consta nenhuma condenação contra Ronaldo. Por fim, sublinha-se que, em alegações finais, a Defesa consignou que os dublês postos na sala de reconhecimento, junto com o réu, não guardavam semelhança física com ele e que Ronaldo era a pessoa de cor de pele mais escura dentre as ali expostas. E diante deste cenário, percebe-se que a condenação do réu se deu com base apenas em precário reconhecimento, o que não se mostra suficiente para que resista. Postas as coisas nesses termos, não se pode negar peremptoriamente a autoria do réu, mas também não se pode afirmá-la com certeza, de modo que, diante da dúvida invencível, de rigor a imposição da absolvição, por insuficiência de provas (art. 386, VII do CPP). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. EXPEÇA-SE ALVARÁ DE SOLTURA.
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