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DOC. 642.0449.6428.9214

TJRJ. HABEAS CORPUS. CRIME DO ART. 16, CAPUT, (2X) DA LEI 10.826/03. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. 1)

Na espécie, este writ é manejado com a finalidade de ver reconhecida suposta ilegalidade do recebimento da denúncia oferecida em face da Paciente, sustentando a impetração não ter sido ela ¿em minimamente fundamentada¿, sendo, portanto, ¿nula de pleno direito¿. 2) Ao contrário do que sustenta a impetração, entretanto, a deliberação acerca do recebimento da inicial acusatória, em virtude de sua natureza interlocutória simples, prescinde de fundamentação complexa. 3) Saliente-se que se extrai dos autos que a denúncia que deflagra o processo de origem realiza a seguinte narrativa da prática criminosa: ¿(...) Desde o dia 02 de julho de 2016 até o dia 29 de julho de 2016, antes das 07h00, na Rua Elisio de Araújo, 347, lote 3 A, Vargem Pequena, nesta cidade, o denunciado, com consciência e vontade, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, tinha em depósito, ocultava e mantinha sob sua guarda, 01 (um) carregador, calibre 7.62, cf. auto de apreensão de fl. 13 e declarações extrajudiciais. II - Desde o dia 26 de julho de 2016 até o dia 29 de julho de 2016, anteriormente à 7h, na Rua Elisio de Araujo, 347, lote 3 A, Vargem Pequena, nesta cidade, o denunciado, com consciência e vontade, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, tinha em depósito, ocultava e mantinha sob sua guarda, 02 (dois) carregadores, calibre 7.62, cf. auto de apreensão de fl. 13 e declarações extrajudiciais. Conforme consta no procedimento investigatório que instrui esta denúncia, o denunciado apropriou-se de um carregador, calibre 7.62, encontrado no dia 01/07/2016, quando o mesmo se encontrava no exercício de suas funções, em ocorrência realizada no Parque Esperança, Complexo do Chapadão (cf. RO/APF 253/0256/2016 de fls. 133/135), não o entregando à autoridade policial naquela ocasião, levando-o consigo e ocultando o carregador ilegalmente em sua residência, até a data do cumprimento do mandado de busca e apreensão, em 29/07/2016 (adiante discriminado e cf. fl. 37). No dia 25/07/2016 o denunciado recebeu dois carregadores, calibre 7.62, da reserva única de material bélico (RUMB), para o exercício de suas funções, não os devolvendo ao final do cumprimento de sua escala em 26/07/2019, levando-os consigo e ocultando os carregadores ilegalmente em sua residência, até a data do cumprimento do mandado de busca e apreensão, em 29/07/2016 (adiante discriminado e cf. fl. 37). Assim, em decorrência do cumprimento de mandado de busca e apreensão da Auditoria da justiça Militar (fl. 37) - processo 0236225- 71.2016.8.19.0001, nos autos do Inquérito Policial 0906/2538/2013, cf. decisão de fls. 100/101 -, no dia 29/07/2016, os três carregadores, calibre 7.62, foram apreendidos na residência do denunciado, dois deles escondidos dentro de uma caixa de sapato, no quintal, próximo à lavanderia, e o outro em um «quartinho», onde havia outras ferramentas objetos. Assim agindo, está o denunciado incurso nas sanções da Lei 10.826/2003, art. 16, caput, duas vezes.¿ 4) Observa-se, de sua leitura, que a denúncia oferece ¿elementos bastantes para a instauração da ação penal, com a suficiente descrição da conduta delituosa relativa aos crimes imputados, extraindo-se da narrativa dos fatos a perfeita compreensão da acusação, nos termos do CPP, art. 41¿ (STJ, RHC 42.865 ¿ RJ, 6ª T. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 27.05.2014). 5) Nesse contexto, verifica-se a presença de indícios mínimos, capazes de respaldar a inicial acusatória. 6) A decisão impugnada neste writ, afigura-se, por sua vez, incensurável. Ressalte-se que o STJ, em consonância com o Supremo Tribunal Federal, tem entendido que o momento em que o juiz recebe a denúncia não está proferindo um ato decisório, nos moldes estabelecidos pelo CF/88, art. 93, IX, por se tratar de mero juízo de admissibilidade. 7) Ao receber a inicial acusatória e determinar a citação do acusado, o julgador necessariamente examina os pressupostos processuais, as condições da ação e a presença da justa causa; entretanto, não é imperativo que teça considerações acerca do mérito da causa antes da inauguração do contraditório. 8) Logo, tal decisão deve ser objetiva e, se ela for lacônica, ainda assim não se reveste de nulidade. Precedentes. 9) Portanto, na decisão em que recebe a denúncia ou a queixa, não cabe ao julgador refutar cada tese defensiva; o Eg. STJ firmou o entendimento de que a motivação acerca das teses defensivas apresentadas por ocasião da resposta escrita deve ser sucinta, limitando-se à admissibilidade da acusação, evitando-se, assim, o prejulgamento da demanda. 10) Inexistente, destarte, qualquer nulidade a ser reparada pela presente via, ainda menos liminarmente, tendo em vista a desnecessidade de motivação complexa da decisão que ratifica o recebimento da denúncia e determina o prosseguimento do feito. 11) Finalmente, observe-se que a extinção da ação penal na via do Habeas Corpus, pretendida no presente mandamus, consiste em medida excepcional, justificando-se somente quando se revelar, de plano, em prova pré-constituída, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou prova da materialidade. 12) Na espécie, invoca a impetração a Teoria da Causa Madura, alegando ser, supostamente, flagrante a atipicidade da conduta praticada pelo Paciente. 13) No ponto, ressalte-se que, inexistindo qualquer decisão do Juízo singular acerca do requerimento formulado pela defesa da Paciente, a presente arguição per saltum caracteriza de evidente supressão de instância, o que afronta o princípio do Juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII). 14) Inexistindo ainda decisão do Juízo singular acerca do alegado constrangimento ilegal, este Tribunal não é competente para julgar originalmente a questão, sob pena de violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, porque, conforme reiterada jurisprudência dos Tribunais Superiores, o pré-questionamento se constitui requisito de admissibilidade da via, sob pena de se incidir em violação de competência constitucional (RHC 81.284/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 30/8/2017). Neste sentido: STF HC 107.053-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 15/04/11; HC 107.415, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 23.03.11; HC 104.674-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 23.03.11; HC 102.865, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 08.02.11. 15) De toda sorte, a versão contida na presente impetração (segundo a qual o Decreto 10.030/2019, de 30.09.2019, que aprovou o Regulamento de Produtos Controlados, em seu Anexo I, o art. 2º, §3º, IV teria incorrido em omissão quanto ao carregador e que, portanto, o acessório não seria controlado pelo Exército, nos termos do Anexo I, da Portaria 118 COLOG, do Comando Logístico do Exército, subitem 1.2 e 1.3) ignora o princípio básico de hermenêutica segundo o qual o acessório segue o principal, sendo permitida a intepretação extensiva no Direito Penal, ainda que em prejuízo do réu. 16) A suposta atipicidade da conduta do Paciente tanto não é evidente que a própria impetração ressalta ser ¿razoável inferir-se que a Acusação procurou enquadrar carregadores na concepção do termo acessórios de arma de fogo¿. 17) Oportuno mencionar, no que diz respeito à configuração de justa causa, a posição da doutrina. Segundo Afrânio Silva Jardim, «torna-se necessária [...] a demonstração, prima facie, de que a acusação não [seja] temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios da autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública» (JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11ª edição. Editora Forense 2002, p. 97). Nas palavras de Aury Lopes Jr, por sua vez, ¿prevista no CPP, art. 395, III, a justa causa é uma importante condição da ação processual penal. (...) A justa causa identifica-se com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação (e a própria intervenção penal). Está relacionada, assim, com dois fatores: existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e, de outro, com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal. (...) Não há que se confundir esse requisito com a primeira condição da ação (fumus commissi delicti). Lá, exigimos fumaça da prática do crime, no sentido de demonstração de que a conduta praticada é aparentemente típica, ilícita e culpável. Aqui, a análise deve recair sobre a existência de elementos probatórios de autoria e materialidade. Tal ponderação deverá recair na análise do caso penal à luz dos concretos elementos probatórios apresentados.¿ (Direito processual penal - 9. ed. rev. e atual. ¿ São Paulo: Saraiva, 2012. p. 401-402). 18) Conclui-se, assim, que a matéria suscitada no presente mandamus é questão que têm pertinência com o mérito da ação penal, e somente pode ser decidida na sentença, respeitado o contraditório. 19) Nessas condições, ausente abuso de poder, ilegalidade flagrante ou teratologia, o exame da tese defensiva apresentada pelos impetrantes é, portanto, manifestamente inconciliável com o rito desta ação constitucional. 20) Em conclusão, tendo em vista que a motivação acerca das teses defensivas apresentadas por ocasião da resposta escrita deve ser sucinta, limitando-se à admissibilidade da acusação formulada pelo órgão ministerial, evitando-se, assim, o prejulgamento da demanda, a digna autoridade apontada coatora, ao proferir a decisão impugnada, não incorreu em qualquer ilegalidade ou abuso. Por sua vez, inexistindo qualquer decisão do Juízo singular acerca da suposta atipicidade do porte de carregadores, calibre 7.62, a presente arguição per saltum caracteriza de evidente supressão de instância, o que afronta o princípio do Juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII). Ordem denegada.

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