TJRJ. APELAÇÃO. VIAS DE FATO E INVASÃO DE DOMICÍLIO. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. PENA DE 15 (QUINZE) DIAS DE PRISÃO SIMPLES E 01 (UM) MÊS DE DETENÇÃO, EM REGIME ABERTO. APLICAÇÃO DO SURSIS PELO PRAZO DE DOIS ANOS. RECURSO DA DEFESA BUSCANDO A ABSOLVIÇÃO, EM RAZÃO DA PRECARIEDADE DO ACERVO PROBATÓRIO. ALEGA, AINDA A ATIPICIDADE DA CONDUTA E RAZÃO DA LEGÍTIMA DEFESA. PEDE A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. PUGNA POR FIM, PELO RECONHECIMENTO DA CIRCURNSTÂNCIA ATENUNATE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA.
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade e deve ser conhecido. A inicial acusatória descreve que o denunciado, com vontade livre, consciente e voluntária, entrou, clandestina a astuciosamente, nas dependências e no interior da casa da vítima C. sua ex-companheira, e permaneceu no local, contra vontade expressa dela. Além disso, nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o denunciado, com vontade livre, consciente e voluntária, praticou vias de fato contra a mesma vítima, segurando-a pelo pescoço. Sob o crivo do contraditório a vítima foi ouvida e o réu interrogado. E, em que pese os argumentos da combativa Defesa, tem-se que o pedido de absolvição não deve prosperar. A vítima prestou declarações firmes e concatenadas, sendo certo que o próprio recorrente admitiu que entrou na casa da sua ex-companheira quando ela já estava deitada e que chegou a colocar a mão no pescoço dela. A Defesa não tem melhor sorte quando pugna pelo reconhecimento da excludente de ilicitude. Por oportuno, tal tese não se sustenta nem mesmo pelas declarações do apelante que disse que a vítima estava se levantou exaltada e que, como ela sempre socava alguma coisa nele, colocou a mão no pescoço dela para se defender. Ora, de acordo com o CP, art. 25, age em legítima defesa aquele que fazendo uso moderado dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. No caso, segundo as declarações de E. não pareceu que C. estivesse o agredindo e nem na eminência disso. Também não parece que E. tenha colocado mão no pescoço de C. para que as supostas agressões dela não começassem ou cessassem. Acrescenta-se que C. nada disse sobre ter combinado de E. a buscar no trabalho. Acrescenta-se, ainda, que C. já tinha proibido E. de entrar em sua casa. E acrescenta-se, por fim que a denúncia imputou a E. a prática da contravenção penal de vias de fato, não sendo necessário, no caso, que existissem lesões na vítima. E nesse ponto é importante destacar que, nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume particular relevância, especialmente quando se apresenta lógica, coerente e corroborada por outros elementos de prova e quando os delitos não têm testemunhas, exatamente como se deu no caso (precedentes). Assim, pelo que se depreende das declarações postas sob o crivo do contraditório, ainda que C. realmente tivesse ido para cima do réu, este não agiu para fazer impedir ou fazer cessar a injusta agressão que estaria por sofrer. E. entrou na casa de C. sem autorização e a agrediu, sem, contudo, provocar ofensas à sua integridade física. Assim, configurado está a contravenção penal das vias de fato e o crime de invasão de domicílio. A Defesa não tem razão quando pede para que se reconheça o princípio da consunção. Percebe-se, pela prova dos autos, que o réu tinha desígnios autônomos e, nesse passo, não cabe a aplicação da consunção. A invasão de domicílio não foi um meio necessário ou normal fase de preparação para a prática do delito de vias de fato. Não há nexo de dependência entre as duas condutas, uma vez que primeiro o recorrente entrou na casa, segundo ele, para saber o que tinha acontecido com a vítima, e depois ele a agrediu, segundo ele, ainda, em legítima defesa. Assim, mesmo que se aceite a versão ofertada pelo réu, integralmente, o que não se considera correto, o princípio da consunção não poderia ser aplicado. Passando à dosimetria da pena, restam mantidas as reprimendas estipuladas pela sentença, uma vez que foram fixadas em seus patamares mínimos (15 dias de prisão simples e 01 mês de detenção). Cabe pontuar que deve ser admitida a circunstância atenuante da confissão espontânea, uma vez que, em recente decisão, veiculada no Informativo 741, de 14/06/2022, o STJ alargou a abrangência do Enunciado 545, pautado no princípio da proteção da confiança (vertrauensschutz), firmando que «O réu fará jus à atenuante do CP, art. 65, III, d quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada» (REsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 20/6/2022). Mas as penalidades não chegam a sofrer qualquer alteração, pois já fixadas em suas doses mínimas, na esteira do que determina a Súmula 231/STJ. Assim, mantida a pena corporal, resta mantido o regime prisional aberto, e o sursis, com pequeno ajuste nas condições deste para fique o réu proibido de se ausentar do estado por período superior a 30 dias. RECURSO CONHECIDO E DAR PARCIAL PROVIMENTO.
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