TJRJ. HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA DEVIDAMENTE MOTIVADA. SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. 1)
Depreende-se dos autos que a decisão que impôs a prisão preventiva à Paciente aponta motivo suficiente a justificar sua privação cautelar de liberdade individual. 2) Inicialmente, cumpre esclarecer que se extrai da denúncia que deflagra o processo de origem a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, evidenciados pela situação de flagrância, presente, portanto, o fumus comissi delicti. 3) Quanto ao periculum libertatis, embora pequena a quantidade de substância entorpecente apreendida em poder da Paciente (apenas 18,3g de cocaína) o decreto prisional registra ser ela duplamente reincidente específica. 4) De fato, quanto ao periculum libertatis, muito embora se trate de crime cometido sem violência ou grave ameaça contra pessoa, a prática reiterada de condutas delituosas é fundamento válido apontado na decisão combatida para imposição da medida extrema. 5) A propósito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que ¿a garantia da ordem pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva, assim, resguardando a sociedade de maiores danos¿ (HC 84.658/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005). 6) Nesse contexto, o periculum libertatis encontra-se consubstanciado na necessidade de garantir a ordem pública, evitando-se a prática de novos delitos e acautelamento do meio social, considerando que o paciente ostenta condições que estão a revelar sua inclinação à prática de crimes e que demonstram a real possibilidade de que, solto, volte a delinquir. 7) Como orienta a doutrina, a prisão preventiva pode ser ordenada «para fins externos à instrumentalidade, associada à proteção imediata, não do processo em curso, mas do conjunto de pessoas que se há de entender como sociedade. [...] A modalidade de prisão, para cumprimento desta última finalidade, seria a prisão para garantia da ordem pública», «quando se tutelará, não o processo, mas o risco de novas lesões ou reiteração criminosa», deduzidos, a princípio, da natureza e gravidade do crime cometido e da personalidade do agente (Comentários ao CPP e sua jurisprudência, Eugênio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer, 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012). 8) Acrescente-se, ainda, a lição de JULIO FABBRINI MIRABETE: «Fundamenta em primeiro lugar a decretação da prisão preventiva a garantia da ordem pública, evitando-se com a medida que o delinquente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida», concluindo que «está ela justificada se o acusado é dotado de periculosidade, na perseverança da prática delituosa, [...]» (CPP interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 803). 9) A jurisprudência da Suprema Corte é no sentido de «que o risco concreto de reiteração delitiva justifica a decretação da custódia cautelar para a garantia da ordem pública» (HC 165.098, 1ª Turma, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 27/11/2019). Precedentes. 10) Pondere-se, ainda que embora processos em andamento não possam ser considerados antecedentes penais e muito menos firmar reincidência, não podem ser desconsiderados para fins cautelares. A jurisprudência do Eg. STJ é remansosa neste sentido. Precedentes. 11) Assim, ¿inquéritos policiais e processos penais em andamento, muito embora não possam exasperar a pena-base, a teor da Súmula 444/STJ, constituem elementos aptos a revelar o efetivo risco de reiteração delitiva, justificando a decretação ou a manutenção da prisão preventiva» (RHC 68550/RN, SEXTA TURMA, REL. MIN. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJE 31/3/2016). 12) Entretanto, não se extrai, quer do decreto prisional justificativa válida para o indeferimento da substituição da custódia cautelar por prisão domiciliar, tendo em vista que a Paciente comprova ser mãe de duas crianças com idades inferiores a doze anos, nascidas em 03 de janeiro de 2021 e em 29 de março do ano em curso. 13) A Lei 13.257/2016 normatizou o tratamento cautelar diferenciado à gestante e à mulher com filhos até doze anos (nova redação dada ao art. 318, IV, V e VI do CPP), incorporando-se como novo critério geral a concessão da prisão domiciliar em proteção da criança, cabendo ao magistrado justificar a excepcionalidade ¿ situações onde os riscos sociais ou ao processo exijam outras cautelares. 14) Saliente-se que, uma vez demonstrada a condição de mãe de criança menor de doze anos, nenhum requisito é legalmente exigido, afora a prova dessa condição. 15) A orientação pela prevalência da necessidade de importância aos interesses atingidos de criança e adolescentes fez emergir a atual orientação jurisprudencial que somente excetua a possibilidade de substituição por prisão domiciliar apenas nos casos mencionados no Habeas Corpus coletivo STF 143.641/SP: crimes praticados mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, situações excepcionalíssimas. 16) O STJ, por sua vez, reiteradamente vem decidindo que em casos tais como este, em apreço, não se caracteriza a excepcionalidade reconhecida no decreto prisional pois, mesmo nos casos de reincidência específica, é cabível a substituição a medida extrema por prisão domiciliar. Precedente. 17) Saliente-se que a circunstância de responder a mulher pela suposta prática do crime de tráfico de drogas não é elemento suficiente para impedir a concessão de prisão domiciliar (decisão monocrática da lavra do Ministro Ricardo Lewandowski, proferida em 24/10/2018 no HC Acórdão/STF). Precedentes. 18) Enfatize-se que, no RECURSO EM HABEAS CORPUS 109.610 - RJ (2019/0073244-1), o Exmo. MINISTRO NEFI CORDEIRO, ressaltou que, tendo em vista a importância e atenção aos interesses atingidos de crianças e adolescentes, a melhor orientação é aquela que excetua a possibilidade de substituição por prisão domiciliar apenas nos crimes praticados mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas ¿ dentre as quais sequer se compreenderia ter sido o crime de tráfico praticado na própria residência da agente, onde convive com os infantes. 19) Em sua decisão, o Ministro destaca, ainda a relevância das Regras de Bangkok, aprovadas no ano 2010 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, fixando a preocupação da comunidade internacional com os direitos humanos relativos à maternidade, à família e à saúde das mulheres e dos seus filhos nos presídios, e estabelecendo, ainda, uma proposta de responsabilização dos Estados em caso de negligência na implementação de leis e políticas públicas de proteção e promoção dos direitos humanos das encarceradas e de seus filhos. 20) Neste mesmo sentido: RHC 109.610/ RJ (STJ - Rel. Min. Nefi Cordeiro); HC 357541/SP (STJ - Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T) e RHC 68.500/RS (STJ - Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, 6ª T.). 21) Criado pela CF/88, o Eg. STJ é a corte responsável por uniformizar a interpretação da Lei em todo o Brasil, cabendo a esta Corte de Justiça o alinhamento à solução encontrada por aquele sodalício em situações tais como a retratada nos autos, em que, embora a Paciente ostente condenações anteriores pela prática de furtos, é mãe de duas crianças com idades inferiores a doze anos ¿ uma delas lactente. Concessão parcial da ordem, consolidando a liminar deferida.
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