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DOC. 154.5442.7003.0800

TRT3. Revista íntima. Poder de fiscalização versus direito à privacidade. Sistema de pesos e contrapresos. As partes íntimas são como que uma exterização da alma da mulher configuração da imputabilidade moral-trabalhista .

«Historicamente, a mulher sofreu e ainda sofre discriminação no trabalho, embora na atualidade em menor grau. A empresa detém o poder de fiscalização, visando à proteção do seu patrimônio, mas deve exercê-lo com prudência e com equilíbrio, de modo a não violar o direito à privacidade da trabalhadora. Dizia Voltaire que 'un droit porté trop loin devient une injustice'. Mesmo que a revista em uma mulher seja realizada por outra mulher, essa circunstância, só por si, não assegura a licitude do ato consistente na revista pessoal, que, apesar disso, pode se constituir na prática de ato ilícito, tipificado no art. 186, do CC, transgressor do direito à privacidade. Os direitos da personalidade tutelam a dignidade da pessoa humana, CF/88, art. 1º, III, abrangida a proteção à integridade moral, que alcança a imagem, o segredo, a boa fama, a honra, a intimidade, a opção sexual, a privacidade, bem como a liberdade civil, política e religiosa. O conceito de privacidade é mais amplo que o de intimidade. Esta se refere às relações subjetivas puras, de trato íntimo, como as travadas com familiares e com amigos. Aquela, por sua vez, protege a pessoa humana dos atos invasivos, hostis e agressivos ao seu patrimônio moral e pessoal, seja no âmbito das relações comerciais, sociais ou trabalhistas. Em outras palavras, a privacidade estabelece um núcleo de proteção, de centralidade além do qual ninguém pode ir sem a permissão hígida, livre e consentida da pessoa. Dentro deste núcleo, cercado de valores éticos, morais e até religiosos, situam-se bens materiais e imateriais das mais diversas naturezas: corpo, sentimentos, pensamentos, desejos, fraquezas, medos, paixões, e toda sorte de emoções. No fundo e em última análise, a proteção legal é transferida para onde quer que tais bens/valores se encontrem, sob a ótica física, metafísica e até metafórica, tais como a residência, os armários, as gavetas, a bolsa, a mochila, o escaninho, o pen drive, o i-cloud, e tantos outros esconderijos que a vida vai criando para todos nós. Disse Novalis que «só há um templo no mundo e é o corpo humano. Nada é mais sagrado que esta forma sublime. Toca-se o céu quando se toca o corpo humano». Por essa e por tantas outras razões, a privacidade, inclusive a corporal, é reconhecida como um direito humano, estatuindo o art. XII, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), que: «Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.» De igual forma, o direito à privacidade constitui direito fundamental, tutelado pelo CF/88, art. 5º, V e X, aplicável nas relações privadas, vale dizer, entre particulares, porque os direitos fundamentais têm também eficácia horizontal, ou como diria Rubem Braga porque constituem «o sussurro das estrelas, no fundo da noite». Ao celebrar o contrato de trabalho, a pessoa física, homem ou mulher, não abdica dessa proteção jurídica, porque o seu corpo, a sua privacidade não é uma coisa ou mercadoria, decorrendo, ao revés, sous la peau et interiéurment, da própria natureza e condição humana (art. I, «a», da Declaração da Filadélfia, de 1944). Ainda que o patrimônio da empresa esteja sob alegado risco e necessite de proteção, é preciso levar em conta que, no Estado Democrático de Direito, existe a presunção de inocência em favor de eventuais suspeitos (CF/88, art. 5º, LVII) e existe o monopólio estatal do poder de polícia (CF/88, art. 21, XIV), pelo que o poder de fiscalização, genericamente exercido sem uma suspeita concreta, deve ser exercido com moderação e equilíbrio, com respeito ao empregados e às empregadas, sem se retirar a parte de cima da roupa e sem que a parte debaixo da roupa seja apalpada. No caso dos autos, a prova oral demonstrou que a empresa exacerbou o poder de fiscalização, invadindo, de forma contundente, o direito à privacidade, que se situa na esfera subjetiva/objetiva da pessoa humana, por isso que o dano moral ocorre in re ipsa, presumido pelo que ordinariamente demonstram as máximas da experiência (CPC, art. 334, IV). O nexo causal e a culpa estão presentes, eis que a revista foi ordenada e realizada por prepostos da empresa, desvelada, em sua inteireza, a responsabilidade moral-trabalhista.»

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